Precisamos de humildade para perceber a nossa identidade, e do prazer das coisas simples para participar, com todos, nos actos que nos são oferecidos nestas datas. São sobretudo ocasiões para revermos pessoas que a economia da vida colocou nas mais diversas partes do mundo, e mesmo para encontrar aqueles mais velhos que protegidos nas suas casas se aventuram, nestes dias abertos, para respirar a vida comum. Quem nunca experimentou isto?
Uma leitura precipitada da coisa leva muitos de nós para o campo das “comparações” misturando informações e sensações – todas apressadas – e que não traduzem a realidade social que somos.
Prefiro experimentar as festas de todas as nossas freguesias onde tento passar algum tempo para perceber as dinâmicas internas, reencontrar amigos e conhecidos, num ambiente de acolhimento. Faz-me bem à alma e ajuda-me a gostar da nossa terra.
Em todas as freguesias tenho encontrado uma dinâmica criativa que me agrada, bastando olhar para o programa das festas que as comissões de festas elaboram. Também é visível uma melhoria na organização das mesmas, sinal de que o nosso povo está cada vez mais competente na sua vida profissional disso resultando uma melhor organização das mesmas.
Na Senhora da Piedade (Moinhos-Frazão) adorei os momentos prévios à procissão quando encontrei na capela o povo a rezar o terço com cânticos de encantar. Os sons da banda de Paços de Ferreira no concerto ao lado da precipitação do rio Ferreira foram bálsamo numa tarde quente, entretendo-me a ouvir as conversas cruzadas de gente que não conheço mas percebo nas suas falas de circunstância.
Recordarei a conversa que tive com dois amigos ali residentes, um sócio do SCFreamunde e outro sócio do FC Paços de Ferreira. Partilhamos desgraças e vitórias entre gargalhadas justificadas que terminaram num aceno de despedida respeitoso e até de carinho.
Na festa de Santo António, em Eiriz, cheguei cedo. Queria perceber os movimentos prévios ao acontecimento: Missa antes da procissão. Recolhi imagens e informações que me ajudam a perceber o vulcão que habita o coração daquela gente. Não sendo as festas principais da freguesia, têm um significado só percebido para quem ouve a voz da alma.
A procissão era pequena, mas ao mesmo tempo monumental – quase ninguém ficou no território da capela porque todos se meteram nela para circular, descer e subir a colina de Santo António dominada pela capela que nos oferece uma visão priveligiada para o vale e cidade, sede do concelho.
Os dias correm e chegou a festa de Corpo de Deus. Percorri a cidade, de manhã à noite, mas estava à espera da procissão. Uma experiência que me recordou tempos de outrora quando os nossos avós e pais ali se deslocavam no “Cortejo da Misericórdia” e no qual participavam todas as freguesias com ofertas a serem leiloadas de modo a proteger a tesouraria do “Hospital”.
Uma personalidade única da nossa terra – Sílvia Cardoso – deu corpo a esta iniciativa que mobilizava todos sem perguntar à mão direita o que fazia a mão esquerda.
E a procissão foi espectacular. Tinha muita gente? Tinha, mas não é essa contabilidade que interessa. Fenomenal foi passar entre as pessoas, vê-las e ouvi-las a falar, a arranjarem o seu lugar para participar, cada um à sua maneira, sem ninguém perguntar de onde vinha e o que queria. Esperávamos um momento sagrado só percebido em silêncio quando o padre passasse segurando na mão o “Corpo de Deus”.
E quando subiu à escadaria do antigo Paços do Concelho, ele abençoou a nossa terra – aquela que somos e pertencemos, numa respiração conjunta que nos anima na percepção dos dias.
Em Raimonda, lembramos o São Pedro, o homem das chaves do céu. Ali a organização das festas conheceu um desenvolvimento na organização que durante um ano assume o sustento das iniciativas.
Mas há aqui uma originalidade – na hora de seleccionar os festeiros escolhem-se candidatos que nesse ano celebram 50. Eles fazem a festa enquanto agradecem a Deus o gosto de viverem na terra a que pertencem, disso dando testemunho aos mais novos dos caminhos que há que percorrer na construção de uma identidade conjunta.
A terra continua a dar voltas ao sol e os dias passam e chegaram as Sebastianas. Dizemos que são únicas na diferença. Foi assim, sobretudo, na semana cultural que agrega cada vez mais adeptos – bom sinal da nossa gente. Quem o experimentou deve contar porque foram muitas as mensagens ali partilhadas, com um grau de excelente execução que nos mostra o desafio que esta gente assume quando enfrenta as apostas do futuro.
Nas surpresas dos próximos dias celebraremos mais festas marcadas no calendário: São Tiago de Ferreira e também Modelos, Senhora do Pilar, Todo o Mundo e muitas outras nomeadamente o São Gonçalo, em Eiriz, que nos vai oferecer um concerto musical com as bandas de Freamunde e de Paços de Ferreira.
As nossas freguesias precisam de acolher estas bandas. Elas exprimem a dimensão estética e cultural mais alta e mais antiga que temos. E que bom quando actuam juntas. Talvez precisemos de caminhar no sentido de explicar às comissões de festas que esta dupla presença das “nossas bandas” é uma afirmação colectiva do concelho que somos.
E o bairrismo, onde anda ele?
Eu não o vi nestes dias passados entre povo anónimo que acena, sorri, partilha conversas com quem aparece e festeja o sol que nos aquece. Talvez nasça no desafio das comparações, esse método primário de conhecimento para quem ainda não treinou a cabeça de pensamento próprio.
Acontece que comparar pertence, quase sempre, ao domínio do odiar. É por isso que todas as comparações são odiosas e ao mesmo tempo desnecessárias. Porque elas não gostam da liberdade individual e colectiva do que somos, querem impor-nos a normalização do comportamento único e “correcto”, temem a criatividade da nossa gente, esquecendo-se ou tentando impedir a respiração cultural de um povo que não se cala nem se inibe de se afirmar no prazer de pertencer “à sua terra”.
O bairrismo como conceito político
O politicamente correcto tenta incutir-nos a ideia que essa “coisa do bairrismo” já não se usa, assunto ultrapassado no domínio da comunicação. É coisa até para parolos, essa gente que não acompanha o ritmo do “progresso.”
De facto para os profissionais da política as manifestações de apego à terra pelos eleitores constitui uma dificuldade para a narrativa que nos vendem nas feiras das eleições. Aparecem pois com a última manifestação da sabedoria que lhes foi manifestada mas que tantas vezes colide com a realidade sentida de quem na vida tem experiência feita.
A experiência colectiva, individualmente sentida, dá a cada um a medida do que é justo e necessário para todos, verificado ao longo dos tempos (tradições) e a resistência à mensagem (neste caso partidária) do momento.
Apelidar esta resistência passiva de “bairrismo” é catalogar comportamentos e sobretudo promover a abstenção – aqui exemplo da falta de sentido da pertença. Por isso, grande parte dos eleitores prefere o manguito silencioso à efectiva participação na “festa” da democracia.
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Texto: Do nosso associado www.pacoslook.p