Ao entrarmos num jardim vemo-nos rodeados de flores, respiramos o perfume da natureza, e experimentamos o sabor do silêncio de árvores que ali esperam por nós. Por entre sombras e raios de luz descobrimos o que ainda não tínhamos visto e damos nomes aos cenários que construímos.
No jardim somos parte de uma visão que se manifesta em silêncio mas que nos diz “estou aqui”. Ficamos com o sentimento de fazemos parte de algo que nos abraça e que lhe pertencemos. Respiramos o ar que nos habita e partilhamos o espaço que é de todos.
Acontece o mesmo com a liberdade. Tem a fragilidade das flores, pede-nos o carinho na sua construção, e brota os seus frutos para quem os quer colher. Manifesta-se nas pequenas coisas, respira fragilmente nas horas dos dias, e pede para ser alimentada, nem que seja a conta gotas.
Merece proteção, de todos e de cada um, e porque somos muitos, é regulada por aqueles a quem entregamos a tarefa de a defender. Por ela morrem milhares de pessoas para que a maioria possa decidir o seu destino, e optar pelos jardins a que pretenda pertencer.
Hoje a nossa liberdade sofre em silêncio. Com agressões de profissionais da narrativa pública que aguerridamente impõem a sua visão, de forma maniqueísta e redutora, pretendendo reduzir a visão global da realidade a uma definição.
Para estes, o discurso está definido à partida e baseia-se sempre no bem e no mal, como se a realidade se deixasse amarfanhar. E agride a inteligência dos mortais quando pretende estabelecer que o “bem” particular impede que o “mal” do outro possa existir.
Vivem uma vida a preto e branco, onde a criatividade da diferença não tem lugar, antes é combatida, porque o que interessa é o controlo da decisão e portanto do poder.
A censura nas redes sociais
O Parlamento aprovou por estes dias legislação que prevê a criação de uma “autoridade” com funções de vigia dos conteúdos a publicar nas redes sociais, com a função de ali verificar e “corrigir” o que considerar “fake news”.
Pretende mesmo “acompanhar” as edições jornalísticas digitais, para “apreciar” conteúdos e os enquadrar na legislação existente, a sua concordância com o texto constitucional, parecendo esquecer as funções da ERC que desde sempre foi o território para resolução de eventuais contendas.
O Parlamento – referido tantas vezes como casa da democracia – pintou de negro o jardim da liberdade, sem protesto da opinião pública e com a maioria dos senhores deputados, interessados que estão (por profissão) nas narrativas de conveniência. Usaram a liberdade para entrar no Parlamento e abusam dela depois de tomar o poder.
Estão agora providos de meios legais para incomodar aqueles (poucos) jornalistas que, apesar das dificuldades normais da profissão, ainda têm capacidade para resistir a este ambiente de censura.
Identificação de membros de “sociedade secretas”
Na mesma ocasião, o Parlamento (neste caso para-lamento) aprovou a obrigatoriedade de os candidatos a cargos públicos declararem a sua pertença ou não às chamadas “sociedade secretas”.
Subjaz à decisão a convicção que a liberdade de pertença a grupos organizados da sociedade constitui um perigo para a estabilidade da governação ou do tratamento do nosso jardim! E entende-se que estando o jardim da democracia liberto destas “ervas daninhas”, o campo político ficaria preparado para uma governação mais transparente e, portanto, liberta da corrupção.
Acontece que a sociedade civil, tal como qualquer jardim, cresce e desenvolve-se com o contributo de todos, ninguém podendo estar impedido de participar nas acções comunitárias, antes devendo investir no sentido de pertença a organizações sociais – elas que são os adubos das flores, de todos as cores e feitios que o sol e chuva alimentam, sem discriminação.
Precisamos de aprender a acariciar as flores, a acolher o seu perfume e a partilhá-lo entre todos. E na dúvida, esclarecer a decisão no terreno da lei geral, aproveitando o contributo dos nossos melhores.
Precisamos de duvidar das nossas certezas e definições, e permitir que novas flores brotem debaixo da luz do sol que (teimosamente) nasce todos os dias. Lembrando-nos que os caminhos da liberdade nunca estão terminados mas são o itinerário do futuro
Arnaldo Meireles, jornalista