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Quarta-feira, Outubro 30, 2024

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Crónica de Moledo, as imagens que passam e as que ficam

Periodicamente, as minhas irmãs mencionam a necessidade de mudar alguma coisa na decoração da sala de estar desta casa de Moledo, para onde me mudei no final da década de oitenta. O assunto transformou-se num clássico desde que ambas descobriram o ‘feng shui’ e o ‘design de interiores’.
A minha sobrinha Maria Luísa, que ganha a vida a decorar as casas de ricos em Braga e, mais recentemente, no Porto, não partilha dessa urgência, como se fosse ela a miguelista da família e vislumbrasse na alteração da sala de estar um prenúncio do fim dos tempos. Creio que, cansada de mudanças, encontra na casa de Moledo um lugar onde praticamente nunca se alterou o lugar dos sofás nem a disposição das velhas reproduções de paisagens do Alto Minho, coroa de glória da actividade do Tio Alberto como fotógrafo amador.
Ao observar essas paisagens – montanhas em redor dos Arcos ou de Paredes de Coura, a foz do Minho em Caminha, o farol de Montedor, as sombras do Gerês, o casarão de Ponte de Lima, as praias de Moledo ou de Âncora, ou a beleza profunda das neblinas de São Pedro de Arcos –, recordo como “o Minho” (mais particularmente o chamado “Alto Minho”) marcou a história desta família como uma espécie de extensão do próprio nome.
O Tio Alberto, que nos intervalos do trabalho no escritório de advogado, vivia para a gastronomia, a história regional e a bibliofilia, dedicou boa parte da sua vida a registar essa beleza em fotografias a que o tempo foi emprestando originalidade e nostalgia. Parte delas estão hoje nesta casa de Moledo, relembrando-a com cerimónia e recato, juntamente com os retratos de antepassados, como se fossem uma e a mesma coisa.
O velho Doutor Homem, meu pai, acreditava que os portugueses não prezavam “a paisagem” – uma matéria para temperamentos contemplativos ou conservadores. Só isso explica a fúria com que têm vindo a sacrificá-la no altar do progresso e do cimento armado. Daqui a alguns anos, poucos conhecerão o nome das árvores históricas das nossas florestas, dos arbustos que crescem nos jardins, ou dos rios que sobrevivem entre vales desorganizados e pintalgados de tijolo. Mas, mais do que isso, poucos poderão relembrar a beleza de lugares intocados onde nunca chegou o dedo modernizador das obras públicas.
As minhas irmãs acham que essas fotografias dão um ar enfadonho à sala, transformando-a em galeria de museu – e que bem podiam ser substituídas por cores alegres que celebrassem a capacidade de sobrevivência de um velho.
Texto de Antonio Sousa Homem, aqui recordado por Gonçalo Sampaio e Melo

 

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